quarta-feira, 1 de julho de 2009

Férias

Bragança, 24 de Agosto de 1987

- Ó Pedro, chega-te mais à tua irmã.
- Rita, deixa de fazer palermices e está quietinha para a fotografia.
- Ó Luís, tira lá isso! Já estou a ficar farta.
- Vá, todos a postos?
- Sim – gritava eu que era e sou a mais pequena.
- Um, dois e... três! Clic. Já está.
- Acho que fiquei de olhos fechados.
- Tu não interessas Rita, eu é que fiquei com cara de parvo.
- Também não é difícil!
- Parem lá com isso antes que acabem chateados.

Nas férias o pai levava sempre a máquina. Qualquer jardim ou estátua e a família alinhava-se diante da película mágica.
Quando o meu irmão era pequeno e lia “Uma Aventura” as férias eram passadas de um livro para o outro. O meu pai fez questão de o levar a quase todos os sítios onde se passavam as histórias. Eu também fui a alguns, mas era muito pequenina e não me lembro. Depois de tantas viagens, quando eu li os livros, já ninguém tinha paciência para me mostrar Portugal de “Uma Aventura”.
Paragem obrigatória nas nossas férias era o Tramagal, a terra da minha avó paterna, e Fátima! A minha avó pedia à minha mãe para ir. A mãe obrigava o meu pai. Se o pai ia, toda a família tinha de ir. E pronto, lá íamos todos recambiados para Fátima. Houve um ano que até o Napoleão teve de ir.
A mãe e a avó davam lá as voltas delas. Eu e o meu irmão acendíamos as velas e depois íamos a correr ter com o pai, que desde cedo percebeu que em todos os rituais religiosos havia velas e inventou uma alergia ao cheiro delas a queimar.
Durante a tarde lá andávamos os três a passear. O meu pai como bom ateu fazia piadas sobre santas que brilham no escuro, terços gigantes de pendurar em paredes e as garrafinhas com água de Fátima.
Na hora combinada íamos ter com as mulheres para rumar a Coimbra ou ao Tramagal, daí numa das vezes o Napoleão ter ido connosco. Nesse ano fomos para Porto-Côvo e a avó também foi, por isso o cãozinho não tinha onde ficar. Ficou na terra com a tia Adélia que se sentia muito sozinha por o tio António ter morrido.
Em Porto-Côvo não fazíamos nada de especial. Jogávamos às cartas à noite, íamos à praia de dia, fazíamos pic-nics ao final da tarde e tirávamos fotografias a toda a hora. Mas eram umas férias fantásticas.
Eu era morena (inacreditável, não?) com cabelo liso pelo queixo, magrita e com dentes tortos. O Pedro também era moreno, com calções foleiros, uma prancha rasca de bodyboard e uns óculos muito piores que os calções. A mãe tinha o mesmo fato de banho de todos os anos, com as flores verdes, azuis e azuis-esverdeadas, e tinha a estranha mania de falar com sotaque alentejano. O pai tinha a marca do relógio no braço, uns calções de banho beges muito giros e pêlos nas costas.
Era bom estar noutros sítios, fazer outras coisas e não ter horas para nada. Depois passavam os dias e Agosto chegava ao fim. Eu ficava contente por ver Coimbra surgir depois de uma curva.
Houve umas férias em que a mãe não foi. A avó ficou doente com dor ciática e a mãe ficou a cuidar dela. Fui eu, o Pedro, o pai, o tio, a tia e o Rui. Fomos para Ferreira do Zêzere que é a terra da tia Clara (mulher do meu tio).
Nessas férias fizemos tudo como o pai e o tio queriam. A mãe não estava lá para balançar as coisas e a tia sozinha não tinha força suficiente. Claro que acabámos por passar pelo Tramagal.
Quando eu já era maior fomos para o norte. Vila Real, Chaves e Fafe porque um amigo do pai tinha lá casa.
A mãe andava irritada com a namorada do amigo porque não gostavam uma da outra. O pai andava nas nuvens porque tinha o amigo. O amigo tinha uma filha por isso eu também andava entretida. O meu irmão andava ocupado em arranjar maneira de roubar tabaco ao meu pai para ir fumar às escondidas para o galinheiro. E as galinhas andavam lixadas com um gajo ao lado delas que deitava fumo. Já o Napoleão estava na maior porque a avó, em Coimbra, lhe comprava carne no talho de propósito para ele.
Voltámos mais cedo. A mãe tanto chateou o pai que acabou por conseguir. Malas no carro e rota no mapa para o mesmo sítio de sempre... Tramagal.

2 comentários:

natalie disse...

estou a adorar estes teus relatos de infância (e as fotos)!

bjs muitos,

rita disse...

há mais para vir, não sei se terão sempre fotos mas também pode haver fotos sem história.

beijinhos