quinta-feira, 16 de julho de 2009

Quatro ou cinco anos



Quando era pequena gostava muito de contar anedotas. O pai tinha um vasto conhecimento nesse campo então contava-mas. E todos os dias na creche eu aparecia com piadas novas.
No recreio da creche o baloiço era feito de pneus. O chão tinha uma grande camada de areia, e nós, as meninas costumávamos tirar os chapéus de palha e enche-los de areia. Com os meus bracitos segurava e embalava o chapéu porque aquele era o meu bebé.
Lembro-me das cadeiras pequeninas em que nos sentávamos para almoçar, em mesas feitas à proporção das cadeiras. Sei que eram pequenas para os crescidos pois os joelhos deles ultrapassavam a altura da mesa.
Havia uma educadora, a minha preferida e única de que me lembro, que descascava a laranja de uma só vez e com aquele novelo alaranjado fazia um elefante em três dimensões. Eu ficava maravilhada. Depois de almoço íamos todos à casa de banho lavar os dentes. Trocávamos pastas com sabores a morango e banana, depois apareceu a colgate júnior que saía da bisnaga com forma de estrela. Mas as de sabores eram as minhas preferidas. De dentes lavados dormíamos a sesta em camas de campanha.
Na parte de tarde tínhamos outro recreio. Neste havia relva e um grande chorão. Havia baloiços a sério e também um escorrega alto. Na relva costumava apanhar bichos-da-conta, corta-unhas, caracóis e coisas-que-tais. Guardava-os com cuidado no bolso do bibe.
Só me lembro de dois colegas. A rapariga era filha de uma amiga do meu pai. Ela era muito sossegada e era isso que eu gostava nela. Mas como me via sempre muito faladora e irrequieta não gostava de mim. O outro... era maluco, ou pelo menos era o que eu achava. O Bruno Maluco uma vez partiu a cabeça lá no recreio. Tinha a mania que descer o escorrega de cabeça para baixo tinha mais piada.
Haviam três pessoas possíveis para me ir buscar. A mais usual era mãe do Paulo (amigo dos meus pais e mais tarde sócio do meu tio). Eles moravam lá ao pé da creche. Eu gostava de ir para lá antes de ir para casa. Lá havia o João bebé(filho do Paulo), o João grande (sobrinho) que era um ano mais velho que eu e brincava comigo aos pinipons e o Zezé (irmão do João grande e sobrinho do Paulo), eu gostava mesmo do Zezé. Três anos mais velho, moreno, moreno mesmo, queimado pelo sol. Mas ele só brincava com o meu irmão.
Quem também me ia buscar era a minha Nana. Hipótese que me agradava. Ela sempre teve sentido de humor. Fazia-me rir, divertia-me. A minha Nana ia-me buscar e íamos a pé para casa, ela morava por baixo de mim. Deixava-me fazer o que eu queria e não precisava ralhar. Era mais tolerante e eu por respeito a isso portava-me bem.
O que eu não gostava nada era quando a avó Conceição me ia buscar. Sempre muito rezingona, uma seca. Ia no Fiat 127 Super e acelerava muito mas não sei como não andava depressa, o carro é que fazia uma barulheira. Não sabia estacionar, só de frente e com um espaço de dez metros. O que ainda não compreendo é o pai ter ficado chateado por ela deixar de conduzir depois da reforma. Era um desastre e eu com cinco anos já percebia isso. Na casa da avó não se brincava a nada de jeito. Das únicas coisas boas era o refresco de groselha que ela preparava e as bolachas dos sortidos.
Viesse da avó, da Nana ou da mãe do Paulo, quando chegava a casa ia directa à varanda. Colocava os bichinhos do bibe cuidadosamente, um a um nos lindos pés de feijão que o meu irmão gostava de plantar. Ele ficava furioso quando reparava no dia seguinte. Eu tentava explicar que os bichinhos não faziam por mal. Eles precisavam comer e só por isso ratavam as plantas dele. E alguns eram tão queridos, cinzentinhos, e quando lhes tocavam transformavam-se numa bolinha. Mas ele não queria saber de bolinhas e bichos cinzentos.
Na hora do banho quem também não compreendia era a mãe: “Porque raio é que me apareces em casa, todos os dias, com a cabeça cheia de areia?”, eu para não apanhar um ralhete omitia a existência do meu bebé de areia. Depois do banho tomado o pai secava-me o cabelo. Primeiro com a cabeça para baixo, assim de pernas para o ar, e depois “rápido para trás” e penteava-me.
Ao jantar o meu irmão contava as coisas da escola. Eu sentava-me na cadeira de bebé, apesar dos meus cinco anos, porque queria estar à altura deles. O pai propunha um concurso. Ver quem é que comia a sopa toda mais rápido, eu ou o meu irmão. Eu caía que nem uma patinha. Comia tudo num instante e sem chatear.
Lembro-me do Vitinho antes de ir para a cama. Depois o pai deitava-se a meu lado e contava-me a história da Vaquinha boazinha e do Leão mauzão. Eu adormecia.

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