Quando tinha cinco anos, a minha mãe comprou-me um conjunto de camisa e calções aos quadradinhos vermelhos e brancos com colarinho e bolso branco liso. Por essa altura o meu pai também me comprou uma carteira da Mafalda. Se usasse estas peças separadas nada de mal acontecia, mas cada vez que vesti este conjunto com a carteira foi fatal.
A primeira vez que usei tudo foi numa noite de verão. Tinhamos ido tomar café, com o meu tio, tia e primo. Como habitual depois de estar um tempo numa esplanada fomos passear pelas ruinhas da baixa. A minha mãe e a minha tia sempre atrás a perderem-se em montras. O meu pai e o meu tio à frente a rir, lembrar e sonhar com o futuro agarrado ao passado. E eu, o meu irmão e o meu primo sempre a correr para a frente e para trás, a pararmos na Românica e desejarmos em voz alta.
Chegámos à praça do comércio e não sei o que passou pela cabeça do meu primo, desatou a correr como se não houvesse amanhã. O meu tio começou a chamá-lo e ele não parava. Eu decidi por minha conta e risco correr atrás dele para o apanhar. Afinal sou dois anos mais velha, não havia de ser difícil! Quando o estava quase a apanhar tropecei numa pedra e caí de chapa. Lembro-me de olhar para cima e ver o meu primo parado à minha frente, com um macacão azul e amarelo, a chorar ainda mais do que eu. Rapidamente os meus pais lá chegaram. Eu tinha um joelho esmurrado, a bochecha esfolada e a cabeça partida. Havia sangue por todo o lado.
O meu pai levou-me nos braços até à portagem para apanharmos um taxi que o nosso carro estava longe. Eu a minha mãe e o meu irmão fomos para o pediátrico e o meu pai até ao terreiro da erva buscar o nosso renault 5 branco. No caminho ia deitada ao colo da minha mãe e ela aflita, com medo que desmaiasse ou perdesse a consciência, ia sempre a dizer para eu falar. Lembro-me de irmos a passar na Ferreira Borges/Visconde da Luz e ler os reclamos luminosos em voz alta. Depois calei-me e a minha mãe muito aflita: “Rita, Ritinha diz alguma coisa. Canta!” e eu cantei a música que andava a aprender na altura: “o meu chapéu tem três bicos, tem três bicos o meu chapéu...”.
Chegámos ao pediátrico e a minha mãe resolveu telefonar a um amigo da família, o Doutor Capelo, que trabalha no pediátrico mas na área de queimados, o que justifica a cicatriz enorme que tenho na testa.
A última coisa que me lembro deste episódio é ter um pano amarelo com um buraco, em cima da cara.
Passádos uns meses voltei a vestir as mesmas peças de roupa. O conjunto dos calções com a camisa aos quadradinhos vermelhos e brancos e a carteira da Mafalda.
Aos domingos os meus pais costumavam ir tomar café com os amigos ao jardim da manga. E nós, os miúdos andávamos por ali a brincar. O jardim da manga tem aquela espécie de fonte mas às vezes estava vazia. Era o caso. Então o meu irmão que era o mais velho de todos decidiu que era óptima ideia irmos lá para dentro brincar. E até aqui era boa ideia. No sítio onde normalmente há água, existem uns degraus grandões, aí um meio metro, que me lembre, mas para quem tinha apenas um e pouco de altura aquilo era grande. Então o meu irmão teve outra grande ideia: “vamos ver quem é que sobe e salta mais degraus e mais rápido!”
Acabou da seguinte forma: com os meus pais a correrem para dentro de uma fonte porque eu estava a chorar alto e bom som e tinha partido um braço. O esquerdo!
Mais uma vez pediátrico, gesso e assim. O meu irmão foi um querido que, apesar de não ter culpa de eu não ter nascido para saltos, me fazia festinhas e dizia que já não doía.
Nunca mais me deixaram sair de casa com as três peças ao mesmo tempo, mas isso é porque a minha mãe tem estas coisas supersticiosas.
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1 comentário:
embora já me tivesses contado esta história, as fotografias acrescentam muito mais. é giro ver o facto em questão, ver o braço e os joelhos esfolados e a varanda de tua casa. Todos os miúdos são lindos e queridos, ainda mais esfolados. E tu estavas, como a minha vó diria, tão bonita.
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