quinta-feira, 11 de junho de 2009

Saudades de Nova Iorque

"11.12.99 Foz do Douro

Vivemos por antecipação. Raramente estamos onde estamos. Projectamos futuro, uma coisa que não é. O sossego torna-se difícil. Ficamos facilmente desajeitados e confusos. Vivemos várias vidas sem que nenhuma possamos viver. A vida que estamos a viver não coincide com aquela que estamos a viver, uma vida esquecida por outra, impossibilitada por outra, inimiga de outra. Falamos e depois ficamos calados. Ficamos calados porque as palavras se retiraram, uma a uma. Um gesto é a sombra de outro gesto, de um pecado maior. Queríamos que tudo terminasse de seguida, era preciso que algo tivesse começado. A sucessão das noites e dos dias mostra a grande indiferença do universo pelas almas. As coisas por dentro são um mistério tão grande como por fora, dizias tu, não vale de nada descobri-las. E não há maneira de saber onde estamos. Que aquilo tudo por onde passava, que fazia todos os dias, não podia ser senão outra coisa, o inverso do possível. Que caía como uma pedra depois de ensaiar o primeiro voo."

Pedro Paixão, "Saudades de Nova Iorque"

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